Rego é o sulco de terra produzido pela pá do arado puxado por junta de bois. Lavrar a terra com o arado “pula toco” é uma arte e uma técnica. A arte consiste em combinar a força da junta de bois, a sequência cadenciada dos passos com o manejo do arado do lavrador. A técnica está em fazer sucessivos regos cortando franja de terra dura de cada vez. Para isto é necessário que um dos bois caminhe dentro do rego já feito, evitando zigue zague do arado. Se ocorrer, o lavrador puxa a corda e grita para o boi “olha o rego”, e o boi manso obedece. Adestrados para serem obedientes, eles cooperam e no final da cansativa jornada são recompensados com milho, alfafa, água e descanso.
O Brasil parece ser uma grande roça na qual o boi não anda no rego, o lavrador não sabe lavrar, o arado está frouxo, a terra infestada de pedras, raízes e cupinzeiros que atrapalham a aração. O resultado é uma sociedade mal construía. Os obstáculos remotos são o projeto do colonizador que não veio para lavrar a terra, mas para depreda-la. Os trezentos anos de desumano escravagismo institucionalizaram privilégios para a elite, miséria e opressão para o povo. A República Velha consolidou o mando pessoal sobre o direito e a justiça. O Brasil se acostumou a ficar fora do rego.
Em 1930, Getúlio Vargas comandou uma revolução que tinha como objetivo gritar para os donos do poder “olha o rego”. O governo Vargas conseguiu evitar que o Brasil continuasse sendo uma tiguera, impossível de ser lavrada. Mas, os donos da tiguera foram mais fortes. Eles andavam escondidos como tiririca. Jânio Quadros prometia fazer a limpa com vassoura na mão. Mas, amargou a maldição da tiririca tinhosa. Renunciou acusando tramas das “forças ocultas”, a tiririca permanente. Juscelino prometia usar o “trator” e em cinco anos fazer o que outros não haviam feito em cinquenta. Mas, faltou combustível para o trator e o brejo reverdeceu. Jango convocou “novos lavradores” para grande mutirão histórico e propôs fincar novos alicerces para uma sociedade que não aceitava mais o escravagismo disfarçado, o monopólio da terra, o mando pessoal, o analfabetismo pandêmico, a corrupção oficial. Mas, ele, como Vargas e Jânio, perdeu o “arado”.
Os militares atacaram a velha tiguera com ferramentas jamais usadas para “fazer roça nova”. Depois de 21 anos reconheceram que não eram bons “lavradores”. O boi continuava caminhando fora do rego. Um outro valente presidente prometia resolver a parada com uma só bala e dizia que faria a limpa naquela velha tapera. Mas, ele também virou sucata histórica.
Logo mais seremos convidados a assistir a grande festa do bicentenário da independência. E, teremos pouca coisa a celebrar. A nossa “roça” continua infestada de “formigas mineiras”. Não se trata daquelas que “ou o Brasil acaba com elas ou elas acabam com o Brasil”. São “formigas carnívoras”, escondidas nas estruturas de poder. Entra governo, sai governo e o boi continua fora do rego, a tiguera fica cada vez mais tinhosa e, parece que não se consegue mais lavrar a terra do nosso destino histórico.
Do bicentenário, correremos para às urnas. Milhares de “lavradores” se apresentarão como experientes sulcadores de terra. Mas, a maioria nunca pegou no “cabo seco”. Outros fazem parte da tiguera, mas se dizem “terra nova”. De novo, milhões serão enganados. No seu analfabetismo político não saberão nem que é preciso lavrar a terra para plantar e depois colher. Para ajudá-los a pensar sobre os abismos que teremos pela frente sugiro que leiam e meditem o profeta Isaías, capítulo 30, versículo um. Se tiverem tempo estudem todo o capítulo.