Na década de 80, rico empresário lançou empreendimento imobiliário chamado “Cota Mil”. E o apelidou de “ante sala do Paraíso”. Pretendia construir mini cidade murada com mil moradias. Mas, o empreendimento faliu. Quem o visitava prospectando compra de uma cota, logo percebia que ali era longe de tudo. Da escola, da farmácia, do mercado, da vizinhança. Anos mais tarde fui visitar a grande tapera. Vizinhos que haviam se instalado nas redondezas diziam que o projeto era ambicioso demais.
Contei, com mais detalhes, este fato para amigo que me convidou para fazer parte de grupo do terço das mil ave-marias. Meu amigo estava empolgado com a nova prática de louvor à Maria. Fui cotejar os fundamentos da prática com o padre Anacleto Ortigara, estudioso da Bíblia e das devoções marianas. Perguntei o que ele achava da novidade que se apresenta como nova cruzada salvacionista. Ele, um experiente confessor, me olhou com certo espanto e disse no dialeto dos antepassados: “massa roba!” Muita coisa.
E, sendo ele um missionário saletino que propagou a devoção à Nossa Senhora de Salette, lembrou que a “Virgem dos Alpes” pediu às duas crianças, com quem conversou, que rezassem, ao menos, um Pai Nosso e uma Ave Maria. Ele, não desmereceu estas práticas apoteóticas, mas afirmou que não é delas que a Igreja precisa para se renovar. Lembrou dos tantos cursos bíblicos que fez acontecer em todas as paróquias onde foi vigário exemplar. Ao longo de sua intensa atividade de missionário visitou milhares de famílias. Na parede de todas elas havia dependuradas estampas de Nossa Senhora e de santos. Do mesmo modo, as famílias faziam circular as capelinhas. Na maioria, encontrou também a Bíblia. Disse, revelando sentimentos de fracasso, “a bíblia está sobre a mesa, mas não é lida. As famílias não leem a Bíblia por que não aprenderam a lê-la e não sabem ler por que a Igreja não ensinou”.
Perguntei o que poderia dizer ao meu amigo que desejava me incluir no grupo das mil ave-marias. Disse “diga a ele que leiam mais a bíblia. Mas, para isto é necessário aprender a ler o texto sagrado. É preciso que as paróquias promovam cursos sobre a Bíblia”. E continuou fazendo a anatomia do défice de conhecimento bíblico das famílias católicas. Disse que os seminaristas estudam bíblia na teologia, mas não aprendem a popularizar seu conteúdo.
Perguntei se as televisões católicas estão ensinando os católicos a ler a Bíblia. Disse que gastam mais tempo com devoções do que com imersões nos textos sagrados que são o fundamento de nossa fé. Farejei, então, cinco televisões católicas, em diferentes horários e constatei a veracidade do que disse o padre Anacleto.
Parece que os católicos foram acostumados a rezar fórmulas prontas. Mesmo na hora de agradecer a mesa posta reza-se uma Ave Maria. Numa das cotidianas alocuções o Papa Francisco orientou os católicos a reaprenderem a rezar. Lembrou da oração do fariseu e do publicano, da confissão do filho pródigo. Segundo Francisco, não se deve abandonar a oração de louvor, mas a Igreja precisa da oração de contrição. O publicano batia no peito e se dizia pobre miserável pedindo socorro. O filho desgarrado, prostrado diante do pai acolhedor, pedia para ser tratado como um empregado.
Retornei a falar com meu amigo e propus que se fizesse uma metódica alternância entre o terço e a Bíblia. Uma vez repetir mil vezes a saudação à Maria e noutra vez ler e estudar mil versículos da Bíblia. Ele, como fez o moço rico, abaixou a cabeça e se despediu, levando de mim a impressão de que eu não rezo. E eu concluí que ele reza para buscar uma satisfação pessoal.