Se o ministro da Educação tivesse dito, em 1957, as bobagens que vem dizendo, teria sido ridicularizado pelos humoristas Valter Brhoda e Pinguinho, no programa da Rádio Farroupilha, Na Banca do Sapateiro.
O que diz o ministro de polêmico: “não adianta um jovem diplomar-se e depois ir trabalhar no Uber”. O Uber entrou no Brasil faz pouco. Trata-se de modalidade de transporte individual por aplicativo no celular.
Sociólogos falam que chegamos à era da “uberização do trabalho”. Desaparece a relação empregador/empregado. Cada um é “empreendedor”. É o que acontece no Brasil. Milhões de desempregados “se reinventam” para sobreviver. Deste modo, engenheiro que perdeu o emprego adapta seu carro, se associa à Uber internacional, e vai trabalhar como “empresário”. O torneiro mecânico desempregado, equipa a velha Kombi e oferece serviços de consertar panelas. O operário da prefeitura despedido aluga um carrinho e vai catar lixo reciclável. Milhões já fazem isso, assim.
A atual fase de desenvolvimento das forças produtivas consolida o trabalho robotizado. Cada vez mais sobrarão os trabalhadores, chamados de operários ou de colaboradores. O empresário equipa sua empresa com máquinas inteligentes e despede os humanos como força de trabalho dispensável. E o exército dos desocupados aumenta no mundo todo. Os “uberizados” constituem uma nova categoria de trabalhadores. A reforma trabalhista votada no governo passado se fez para facilitar a precarização do trabalho.
O taxista “uberizado” trabalha quinze horas, sem vínculo, sem direitos trabalhistas, férias, descanso remunerado, tempo para aposentadoria. O governo faz constar estes milhões de trabalhadores “uberizados” como “empregados”. Assim, quando desempregado sai a catar lixo será contado como empregado.
Para este crescente universo de desempregados ou semiocupados, os governos já não planejam mais escola. Eles terão de aprender ciscando com o celular as sobras do saber universal. A escola será mantida para poucos, para exercer funções restritas, altamente remuneradas, a serviço das elites econômicas e políticas. A humanidade ficará órfã do saber. As novas gerações sofrerão a deformação coletiva da “rebarbarização”.
Há cinquenta mil anos os humanos eram o “homo faber”. Animais que sobreviviam caçando, pescando, recolhendo folhas, raízes e frutos. Comunicavam-se através de gritos, assobios, gestos, risos e choro. Lentamente, seu cérebro foi se modificando. Aos poucos aprenderam a comunicar-se pela fala, e mais tarde pela escrita. Surge o “homo sapiens”. Alguns séculos depois ele se torna agricultor. O salto da condição de “homo faber” para a de “homo sapiens” durou dezenas de séculos.
Os humanos deixaram de ser meros bichos para serem animais inteligentes por terem aprendido a falar, a se comunicarem, a escreverem suas ideias, e acumularem o saber de suas experiências. A última geração recebia das anteriores seu legado na forma de saberes e fazeres. Um agricultor, sem ou com pouca escola, dominava as práticas de seus ancestrais.
E chegamos hoje, à era da inteligência artificial, o tempo do “homo digital”. O saber ficará fora do cérebro humano. Será administrado pelas máquinas. Para isso, poucos altamente escolarizados bastarão para desenvolver e aplicar o conhecimento.
É isto o que quis dizer o ministro ao falar do engenheiro taxista. Ocorre que o saber não foi inventado apenas para agregar valor ao trabalho. O “homo sapiens” é um tipo de animal que necessita visceralmente do saber para ser gente. A Unesco contradiz o ministro ao afirmar que a função da escola é ensinar a pensar, a fazer, a conviver e a ser gente plenamente desenvolvida.
É ideal civilizatório que todos os humanos pudessem conhecer tudo o que se produziu de saber ao longo dos séculos. Seria o “máximo” um taxista exibir diploma de universidade como conquista pessoal. Péssimo, é o engenheiro frustrado ter de sobreviver como taxista.
A “uberização” da vida é o maior risco que a humanidade já enfrentou. Será uma ditadura obscurantista que poderá durar séculos. O “homo digital” é o humano degradado à condição de servir para nada. Talvez seja a última etapa da história do “homo sapiens”.