O fantasma do preconceito revoou os céus da educação brasileira. Ele proclama a morte de direitos e anuncia o mérito dos privilégios. Eis sua mensagem: “a universidade é para poucos; portadores de deficiências atrapalham o funcionamento das escolas regulares; quem quiser ter emprego no futuro que estude numa escola técnica”.
O retorno do fantasma acontece no contexto da morte da escola, do desprezo pelos educadores, da indiferença social sobre a educação como direito universal, e dos ataques contra as instituições. Neste cenário vai ficando normal que asneiras deste tipo sejam ditas. O que não pode ser tolerado é terem sido proclamadas pelo ministro da educação.
Nos últimos trinta e dois meses, a educação brasileira foi golpeada por ondas de ignorância. Um ministro não falava bem o português. Seu sucessor não sabia escrever uma carta no padrão gramatical. Na sequência, outro ministro fraudou diplomas, alterou histórico escolar. Envergonhado, após ser execrado pela opinião pública, renunciou ao cargo antes da posse. O quarto ministro, impávido pastor presbiteriano, prefere ficar no anonimato, pois, se fala, diz asneiras. Palhaço no circo fala asneiras e o público aplaude. Inconcebível é o ministro da educação, teólogo, pastor e professor, que não está no circo, mas despacha no último andar do Ministério da Educação, dizer tantas asneiras. As bobagens do ministro foram duramente criticadas pela opinião pública dentro e fora do país.
Universidade para poucos é tranca que impede generalizar os bens da civilização. Ano após ano, o Brasil se distancia dos polos geradores de ciência e tecnologia. Os poucos que o ministro deseja ver na universidade são os jovens “eleitos pela sorte”. Estes terão bolsas de estudo, viagens de intercâmbio, estágios internacionais, oportunidades de qualificação e depois os melhores empregos.
Os milhões de jovens sem “sorte”, por terem nascido de famílias pobres, devem se contentar com escolas de preparação para o trabalho braçal. Atrás desta macumba ministerial se esconde preconceito histórico que as transformações sociais não conseguem eliminar. O ranço do escravagismo se esconde na medula dos ossos da sociedade e se manifesta em cacoetes ideológicos como este dito pelo ministro.
Mas, a pior das asneiras foi dizer que as crianças portadoras de necessidades especiais atrapalham o funcionamento das escolas regulares. Esta estupidez manchou a aura de ministro, teólogo e pastor. Do fundo de uma cultura preconceituosa borbulhou sentimentos reprováveis a um ministro. Questionado pela imprensa sobre o desatino cometido, enredou-se na teia das contradições. Para explicar o inexplicável acabou revelando seu total despreparo para ser ministro da educação.
A opinião pública acostumada ouvir asneiras de seus governantes poderia perdoar mais esta mancada, mas deve vigiar para evita-las. Mas, sendo ele um teólogo e pastor, é impossível ignorar tamanho “pecado” cometido contra o próximo. Milhões de crianças com algum grau de deficiência nem saberão o que ele disse. Mas, foram ofendidas. E, ele, ao invés de desconversar o sentido do que disse, deveria pedir perdão em público pelas infâmias cometidas contra estas crianças merecedoras de maior atenção das famílias, das igrejas e do estado. Psicanalistas, terapeutas, educadores arrepiaram o cabelo ao ouvir tamanha crueldade cometida pelo ministro atingindo diretamente 10% da população.
Ele poderia aproveitar o contexto das Paralimpíadas para confessar publicamente seu pecado, e, de joelhos, pedir perdão aos milhões que não tiveram “sorte” por terem nascido “aleijados”. Ele, forte e bem nutrido, esconde índole tetraplégica. Os educadores e famílias das APAES, do mundo todo, deveriam gritar bem alto a condenação que João Batista brandiu contra Herodes, non licet. Ministro, não atrapalhe, por favor.
As virtudes universais da compaixão, da solidariedade, da amizade social, como insiste o Papa Francisco, precisam ser aclamadas por todos como balizamentos para a fraternidade. Como, então, um pastor evangélico e ministro ignora tudo isto e fala como se fosse um oficial nazista empurrando condenados para dentro dos fornos crematórios em Auschwitz? O que ele disse não surgiu de ato falho, e com certeza ele é ótima pessoa. Verteu de sua matriz ideológica falsa: sua função de pastor não combina com a de ministro. Mas, ele não aprendeu a dizer asneiras ontem. Ele é produto cultural de uma sociedade narcotizada pelo mosto da hipocrisia. O fato de ser pastor e teólogo não o livrou da insensatez.