Dizem que as filhas costumam ver no pai o “homem modelo”, e inclusive usam isso como parâmetro quando buscam seus afetos. No meu caso não foi assim. Apesar de ter uma profunda admiração pelo maestro Salvador Campanella como pai e como profissional, nunca busquei mimetizar alguém parecido com ele, pois sempre soube que ele era ímpar. Quando eu nasci, nos idos dos anos 70, o pai já era sexagenário. O pai vinha de outros casamentos tendo filhos já criados, que assim como eu, vivenciaram a agenda frenética que o maestro tinha que cumprir junto a Orquestra Sinfônica de Porto Alegre (OSPA), a Banda Municipal de Porto Alegre e a Rádio Farroupilha (do tempo em que se fazia programas ao vivo). Mesmo assim, tínhamos uma doce rotina de passeios aos sábados: ir ao Mercado Público abastecer a casa com especiarias, passar na Confeitaria Maomé e dar uma volta na Redenção. Os balconistas na Banca 43 recebiam o pai cantando árias de ópera, ao passo que me davam tâmaras e figos recheados para degustar. Volte e meia eu me emburrava e puxava o braço do pai para seguirmos o passeio, já que ele era assediado pelas fãs que não escondiam seu encantamento com o maestro napolitano. Costumavam me confundir com sua neta, o que ele detestava já que era vaidoso. Vaidade que o fez ser eleito por cinco anos consecutivas um dos dez homens mais bem vestidos de Porto Alegre. Sim, ele foi um verdadeiro gentleman, espécie rara em tempos hodiernos onde o macho precisa provar a quantidade de fêmeas que caça para se sentir poderoso. O pai é nome de rua em Porto Alegre, e em vida recebeu algumas honrarias devido ao seu trabalho incansável em prol da cultura tais como: Cidadão Porto-alegrense, Gaúcho Honorário e a Comenda Simões Lopes neto. Sua vida dá um filme, começando pela motivação do seu nome. Nasceu em Nápoles (Itália), em um 3 de janeiro de 1907, e devido a proximidade com o Monte Vesúvio - vulcão ativo localizado a cerca de 12 quilômetros a sudeste de Nápoles -, sua mãe o encontrou no berço sufocado pela fumaça do vulcão. Em um gesto extremo, o ergueu para o céu e disse: “Deus, se você salvar o meu filho, eu darei o nome do teu filho para o meu”. E assim ele passou a se chamar Salvatore, em alusão ao Salvador do mundo. Sua trajetória ilibada de vida, sua ética e seu amor incondicional à família e às mulheres que amou - sendo a última a minha mãe -, fazem dele o meu herói. Prova de seu amor pela Dona Geci D’Ávila Campanella, eram as flores que costumava lhe dar fora de alguma data especial. Ele dizia que quando se gosta, todos os dias são especiais. Campanella faleceu aos 78 anos em 1985 – um mês antes de eu completar 15 anos -, depois de padecer por três anos com doença circulatória que o consumiu. Minha última lembrança dele foi na porta do hospital, ele acenando ao mesmo tempo que sorria e chorava. Corri por três vezes do elevador até a porta do quarto para me despedir. Acho que já sabíamos que seria a nossa despedida nessa dimensão. Votos de um Feliz Dia dos Pais para os leitores do AU e seus afetos. E, quem pode ter o pai pertinho, abraça muito, pois um dia esse abraço será lembrança.
Bons Ventos! Namastê.
