Em despacho assinado pela juíza federal Maria Izabel Pezzi Klein, da 9ª Vara Federal de Porto Alegre, no mês de setembro, foi definida a necessidade de uma perícia técnica que avalie os contornos territoriais da referida Terra Indígena Rio dos Índios, homologada administrativamente pelo Decreto Nº 11.505, de 28 de abril do ano passado. Isso por considerar que o processo que definiu a área e a localização das terras reclamadas pela comunidade Kaingang é controverso.
A decisão se refere à ação ajuizada, em 24 de agosto do ano passado, pela Associação dos Amigos das Águas do Prado, tendo como réus a União, a Fundação Nacional dos Índios (Funai) e a Comunidade Kaingang Rio dos Índios que, entre outras questões, pede a nulidade da demarcação. No entendimento da magistrada, referendado por disposições anteriores, se fazem necessários o contraditório e a ampla defesa, garantindo, a todas as partes envolvidas, equidade na defesa de seus interesses.
– O aparelho estatal não tem o direito de exercer, em base jurídica idônea e suporte fático adequado, o poder persecutório de que se acha investido, seja na seara penal, seja na seara administrativa, pois lhe é vedado, ética e juridicamente, agir de modo arbitrário. Sendo assim, o direito de defesa constitui a pedra angular do sistema de proteção dos direitos individuais e coletivos – afirma a juíza, no documento.
Ainda, a magistrada afirma que não é possível saber quais serão os resultados das atividades periciais relacionadas às reais dimensões territoriais da Terra Indígena Rio dos Índios, bem como sua exata localização e das avaliações antropológicas.
Entenda o caso
Em 28 de abril do ano passado, o presidente Lula assinou decretos que homologaram seis terras indígenas, em seis Estados do país. Entre as áreas estavam os 711,1 hectares em Vicente Dutra – Terra Indígena Rio dos Índios, declarada em 2004 –, que passaram a ser considerados patrimônio da União para uso dos indígenas caingangues.
Isso porque, com a homologação, mais de 70 famílias de agricultores, além dos moradores do Empreendimento Águas do Prado – que abrange quase 200 casas e 28 famílias –, perdem o direito a sua propriedade. A área considerada terra indígena pelo governo federal também contempla parte da ERS-150, rodovia que corta o município. Para a população de Vicente Dutra, a decisão causa um impacto não só econômico, como também social.
A principal questão para quem reside na área decretada como terra indígena gira em torno do ressarcimento às famílias que, de boa-fé, adquiriram há muitos anos as áreas onde construíram todo o seu patrimônio. Pela legislação, essas pessoas só recebem indenização pelas benfeitorias e não têm garantia de que serão reassentados.
Já para a comunidade indígena – formada por 53 famílias –, o decreto de homologação representou a correção de uma dívida considerada histórica, conforme afirmou o cacique Luis Salvador, na época. Após a publicação do decreto, o próximo passo seria a atualização do levantamento na área a cargo da Funai, o que ainda não ocorreu porque os atingidos estão discutindo a questão na esfera judicial.
Segundo a Funai, em uma primeira fase, está previsto o montante de R$ 6,5 milhões para indenizar 108 ocupações.
Liminar
Uma liminar concedida pela 9ª Vara da Justiça Federal de Porto Alegre, no mês de novembro de 2023, cancelou a Matrícula nº 3.971, do Registro de Imóveis de Vicente Dutra, concedida à União a partir do Decreto Presidencial nº 11.505, de abril de 2023, e que estabelecia a demarcação administrativa da Terra Rio dos Índios, em Vicente Dutra. A decisão compreende a área total dos 711,1 hectares demarcados que seriam de usufruto exclusivo do povo Kaingang. Com isso, passaram a valer as matrículas originárias dos proprietários das áreas, tanto agricultores como do Empreendimento Águas do Prado, até que transcorra a instrução probatória do processo.